A tensão crescente entre Estados Unidos e Venezuela aumentou os temores de uma possível invasão ao país sul-americano.
Os EUA têm realizado ataques contra barcos que estariam transportando drogas no Caribe. Além disso, posicionaram milhares de militares na região, e o presidente Donald Trump autorizou operações da CIA, a agência de inteligência americana, em território venezuelano.
Assim, apoiadores de uma intervenção americana, incluindo opositores venezuelanos, indicaram sobre uma possível semelhança da situação atual com a invasão do Panamá pelos Estados Unidos em 1989, que levou à deposição do então ditador Manuel Noriega.
Ele havia sido acusado de lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, além de ligações com o cartel de Medellín de Pablo Escobar.
Relembre abaixo o que foi a invasão do Panamá e entenda se isso pode se repetir na Venezuela.
Tomada do poder por Manuel Noriega no Panamá
Manuel Antonio Noriega Morena foi colaborador remunerado da CIA, tendo trabalhado em estreita colaboração com os EUA.
Ele ajudou as forças americanas a estabelecerem postos de escuta no Panamá e usarem o país para canalizar ajuda às forças pró-americanas em El Salvador e na Nicarágua.
Com essas informações, Noriega manipulou seus superiores panamenhos e americanos para promover seus próprios interesses.
Ele se tornou chefe da inteligência militar do Panamá sob o comando de Omar Torrijos, que havia tomado o poder em um golpe em 1968.

Torrijos morreu em um acidente aéreo em 1981, e, dois anos mais tarde, em 1983, Noriega assumiu o controle do Exército panamenho e do país.
Segundo depoimentos, autoridades americanas sabiam de envolvimento de Noriega com o crime já em 1978, e em 1983 tinham uma “arma de 21 provas” contra ele.
Entre 1970 e 1987, o panamenho apareceu em pelo menos 80 arquivos diferentes da Agência Antidrogas dos EUA.
Porém, o governo americano não agiu em um primeiro momento, em parte porque o Panamá era visto como um “amortecedor” contra insurgências de esquerda na América Central durante a Guerra Fria.
Relação entre Panamá e Estados Unidos piora
A relação com os Estados Unidos começou a piorar em 1985, quando Nicolas Ardito Barletta, primeiro presidente eleito no Panamá em 16 anos, foi forçado a renunciar.
Ele havia pressionado pela investigação do assassinato de um opositor do governo.
Em 1988, Noriega foi acusado formalmente pela Justiça dos EUA por crimes relacionados ao tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
Já em 1989, uma eleição geral teve resultado anulado no Panamá. Meses mais tarde, em dezembro, a Assembleia Nacional do país declarou que os Estados Unidos e o Panamá estavam em “estado de guerra”.
A invasão do Panamá
Em meio à crescente agitação no Panamá, o então presidente dos Estados Unidos, George H.W. Bush, ordenou a invasão do país centro-americano em dezembro de 1989, alegando que o regime de Noriega era uma ameaça à vida e à propriedade americana.
A operação foi nomeada “Causa Justa” e tinha como intenção tirar o ditador panamenho do poder.
Com mais de 20 mil soldados dos EUA em solo panamenho, Noriega se refugiou na embaixada do Vaticano na Cidade do Panamá por 10 dias.
As forças americanas instalaram alto-falantes ao redor do complexo como tática psicológica. O ditador se rendeu em 3 de janeiro de 1990.
A invasão matou cerca de 500 panamenhos, sendo cerca de 300 civis. Quanto às forças dos Estados Unidos, 23 soldados americanos perderam a vida no ataque.
Noriega é condenado nos Estados Unidos
Em abril de 1992, Manuel Noriega se tornou o primeiro chefe de Estado estrangeiro condenado em um tribunal dos EUA. Ele foi sentenciado a 40 anos de prisão por contrabando de drogas e extorsão — pena que foi diminuída para 30 anos mais tarde.
Posteriormente, o ex-ditador também foi condenado e sentenciado por acusações de assassinatos e lavagem de dinheiro.

Ele ficou preso nos EUA até 2010, quando foi extraditado para a França, país onde foi condenado a sete anos de prisão por lavagem de dinheiro.
Em dezembro de 2011, Noriega foi extraditado para o Panamá, onde era procurado pela morte de um oponente político durante o período em que esteve no poder.
Manuel Noriega morreu em 2017, aos 83 anos, após uma série de problemas saúde.
Qual a semelhança entre o Panamá e a Venezuela? É possível uma invasão?
A CNN consultou especialistas para entender se é possível que os Estados Unidos invadam a Venezuela, de maneira semelhante ao que aconteceu em 1989.
Brian Winter, analista político e editor-chefe da revista Americas Quarterly, avalia que há diferenças importantes entre os dois casos, começando pela própria época e contexto.
“Em 1989 ainda estávamos na Guerra Fria. Houve mais tolerância da sociedade americana com as guerras no exterior. No mundo de hoje, após as guerras fracassadas no Afeganistão e no Iraque, não há mais tolerância para guerra ou invasões por parte do público americano”, comentou.
Ainda segundo o especialista, essa oposição ao envolvimento dos EUA em novos conflitos acontece também na base eleitoral de Donald Trump, não apenas no Partido Democrata, como, por exemplo, os veteranos de guerra.
André Pagliarini, professor de história e estudos internacionais na Universidade Estadual de Louisiana, também chama atenção para este ponto, destacando que o presidente americano afirmou durante a campanha eleitoral ser contra a guerra do Iraque, por exemplo.
“Tanto Panamá quanto Granada foram ações limitadas, com investimentos relativamente pequenos por parte dos americanos. Iraque e Afeganistão não foram nada disso, e acho que é nisso que a maioria dos americanos pensa quando ouve falar de um possível envolvimento militar dos EUA na Venezuela”, avaliou.
“Não tenho dúvida de que Trump gostaria de remover [Nicolás] Maduro se fosse tão simples quanto foi derrubar Noriega — simples, é claro, em termos relativos. Mas acredito que ele mesmo reconhece que o desafio de hoje é consideravelmente maior do que o de 1989”, adicionou.
Assim, os especialistas levantam outra questão: em 1989 os Estados Unidos tinham uma base militar no Panamá, contando com milhares de soldados, o que não acontece agora no caso da Venezuela, que também é um país muito maior e mais difícil de controlar.
Pagliarini também destaca que um engajamento militar nesse caso não levaria a uma resolução rápida.
De toda forma, os especialistas avaliaram que Donald Trump pode tanto continuar com ataques e operações quanto usar meios indiretos de coerção — por exemplo, tentando que outros governos da região se articulem para tirar Maduro do poder.
“Não imagino que veremos uma repetição do Panamá, mas talvez isso nem seja necessário”, pontua André Pagliarini.
*com informações da Reuters