O presidente dos EUA, Donald Trump, fez uma concessão extraordinária em seu acordo histórico com o líder chinês Xi Jinping nesta quinta-feira (30): em troca de promessas de que a China vai reprimir a produção e o envio de fentanil, os Estados Unidos reduzirão em 10% as tarifas aplicadas sobre produtos chineses.
À primeira vista, trata-se de um acordo promissor, que pode restaurar parte do comércio interrompido pelas tarifas entre as duas maiores economias do mundo.
A redução fará com que a tarifa mínima sobre importações chinesas caia para 20%, e a taxa média fique em torno de 47%.
Ainda é um valor alto em comparação com o de muitos outros parceiros comerciais dos EUA, mas mais alinhado com o restante do mundo.
Mas a redução das tarifas também representa uma aposta arriscada para o governo Trump, que vem enfrentando um problema persistente em sua guerra comercial inédita com a China: Xi tem superado Trump em praticamente todas as rodadas.
O simples fato de os dois terem se encontrado pessoalmente já indica que o presidente americano cedeu a exigências de Pequim.
E, como a história mostra nesses acordos intermitentes, não está claro se os Estados Unidos realmente obterão algo significativo em troca da concessão sobre o fentanil.
Enquanto isso, Trump corre o risco de desgastar ainda mais a relação dos EUA com seus principais aliados — ao mesmo tempo em que se aproxima de seu maior adversário econômico.
Trump aposta que desta vez será diferente. A história sugere o contrário.
A vitória da China na guerra comercial
Trump buscava quatro resultados principais com suas tarifas sobre a China:
- Reduzir o fluxo de fentanil para os EUA
- Trazer de volta a manufatura para o país
- Restabelecer o equilíbrio da balança comercial
- Concluir a venda dos ativos da TikTok nos Estados Unidos
O governo fez progressos reais nos quatro pontos.
A China apontou ações mais firmes para evitar a exportação dos químicos usados na produção do fentanil.
Dezenas de empresas anunciaram investimentos bilionários em fábricas nos EUA. O déficit comercial entre os dois países atingiu o menor nível em 21 anos, em agosto. E Trump e Xi concordaram em um esboço de acordo sobre a TikTok.
Por outro lado, a relação fria entre as duas potências também trouxe grandes prejuízos para os EUA.
A China restringiu a exportação de minerais de terras raras — essenciais para a indústria eletrônica e o setor militar.
Também deixou de comprar soja americana, prejudicando agricultores, e abriu investigações antitruste contra empresas dos EUA.
Além disso, impôs pesadas tarifas próprias sobre produtos americanos.
Apesar de várias rodadas de negociações, Pequim continuou adiando o cumprimento de suas promessas.
As terras raras, em especial, se tornaram um ponto crítico. Garantias anteriores de um mercado livre para esses materiais nunca se concretizaram. Neste mês, a China inclusive ampliou suas restrições.
Pelo acordo de quinta-feira, Pequim concordou em reverter parte dessas novas regras, embora as restrições originais, anunciadas em abril, permaneçam em vigor.
Enquanto isso, o futuro da TikTok nos EUA continua incerto.
Após várias rodadas de conversas, a China evitou confirmar um acordo final, limitando-se a prometer que “trabalhará com os EUA” para resolver o impasse.
O próprio Trump já reconheceu, diversas vezes, que a China costuma não cumprir sua parte nos acordos.
“Tive muitas conversas com a China sobre as enormes quantidades de drogas, especialmente fentanil, sendo enviadas aos Estados Unidos — mas sem sucesso”, escreveu Trump no Truth Social, semanas após a eleição.
Ele afirmou que autoridades chinesas haviam prometido executar traficantes pegos enviando drogas para os EUA, mas “nunca cumpriram”.
Por que Trump está fazendo um acordo agora
Por que, então, Trump faria um acordo com a China sobre o fentanil, se Xi costuma recuar de suas promessas?
Primeiro, porque a China realmente tomou algumas medidas concretas.
No último verão, o país adicionou dois novos elementos usados na produção de fentanil à lista de substâncias controladas. Quando redes criminosas passaram a vender esses produtos no mercado negro, as autoridades chinesas agiram para conter as exportações.
Trump citou na quinta-feira a “ação muito forte” da China no combate ao fentanil como motivo para reduzir as tarifas sobre os produtos chineses.
Há indícios de progresso: nos últimos anos, o fentanil originado na China diminuiu.
A Agência de Combate às Drogas dos EUA (DEA) informou em seu relatório anual, divulgado em maio, que a pureza do fentanil caiu em 2024, o que sugere que os produtores no México estavam com dificuldade para obter precursores químicos.
A Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA também relatou queda nas apreensões da droga em 2024, tendência que continua em 2025.
Trump pode ou não acreditar que a China está realmente agindo, mas ele adotou um tom mais brando esta semana. “Acredito que eles vão nos ajudar com a questão do fentanil”, disse o presidente. “Eles farão o que estiver ao alcance deles.”
O segundo motivo é que a China ainda detém grande poder de barganha.
As tarifas de Trump provocaram efeitos contrários aos esperados: irritaram agricultores americanos — um eleitorado-chave — e geraram escassez de minerais de terras raras.
Além disso, Pequim se recusa a abrir completamente seu mercado para chips de inteligência artificial dos EUA, outro grande objetivo de Trump.
As tarifas continuam sendo uma das poucas alavancas que o presidente pode usar, mesmo que a China tenha encontrado novos mercados para seus produtos, reduzindo o impacto das sanções americanas.
Ainda assim, a redução das tarifas é uma das principais exigências de Pequim — e o encontro entre Trump e Xi era outra.
Ao ceder em parte dessas frentes, especialmente se a China demonstrou boa vontade no tema do fentanil, Trump ganha margem para tentar obter concessões adicionais.
Em uma declaração vaga nesta quinta-feira, o governo chinês disse que fará “ajustes correspondentes” em suas contramedidas após a decisão de Washington de cortar pela metade as tarifas.
O que vem a seguir
Um possível problema para os EUA: os outros dois países sobre os quais o governo Trump impôs tarifas relacionadas ao fentanil — México e Canadá — certamente observaram o anúncio de quinta-feira com desconfiança.
Ambos também têm adotado medidas para restringir o tráfico da droga para o território americano.
Além disso, o fentanil proveniente do Canadá representa menos de 1% do total apreendido nos EUA.
Mesmo assim, Trump ameaçou aumentar as tarifas sobre México e Canadá — enquanto reduz as da China.
O acordo pode melhorar a relação com o principal rival econômico dos EUA, mas à custa de irritar seus dois maiores parceiros comerciais e aliados históricos.
Enquanto isso, a redução nas tarifas pode beneficiar consumidores americanos, que há anos vêm pagando mais caro devido às políticas comerciais.
Ainda que lentamente, qualquer alívio será bem-vindo pelos eleitores preocupados com a inflação.
 
 