Pedreira da Ilha de Páscoa dá pistas de estátuas enigmáticas dos polinésios


Arqueólogos afirmam que um modelo 3D de uma pedreira centenária com estátuas de cabeças inacabadas na Ilha de Páscoa oferece novas pistas sobre como esses monumentos foram feitos e sobre a sociedade polinésia que os criou.

Também conhecida como Rapa Nui, a ilha remota é famosa pelas esculturas gigantescas que observam o Oceano Pacífico, mas seus habitantes nunca ergueram o que teria sido a maior estátua da comunidade. A cabeça gigante, junto com centenas de outras, permanece incrustada na rocha da pedreira, uma cratera vulcânica.

De acordo com pesquisa publicada na quarta-feira (26) na revista científica PLOS One, clãs individuais, e não uma única entidade com força de trabalho em toda a ilha como se acreditava anteriormente, provavelmente organizaram a construção das fascinantes cabeças de pedra, conhecidas como moai.

“A escala monumental parecia exigir uma coordenação centralizada”, disse o coautor do estudo Carl Lipo, professor do departamento de antropologia da Universidade de Binghamton em Nova York. “A presença de monumentos tornou-se uma evidência circular para hierarquia. Monumentos significavam chefes porque chefes construíam monumentos.”

Para a análise do local, os pesquisadores construíram o que descreveram como o primeiro modelo 3D de alta resolução da pedreira moai de Rano Raraku a partir de 11.000 imagens sobrepostas capturadas por um drone, em um processo conhecido como fotogrametria.

Os cientistas identificaram 30 locais distintos de atividade de extração, o que, segundo eles, sugeria múltiplas áreas de trabalho independentes. A equipe também encontrou evidências de transporte de moai para fora da pedreira em diferentes direções antes de serem erguidos em enormes plataformas espalhadas pela ilha. Essa abordagem, argumentaram os autores, também indicava que a fabricação das figuras megalíticas não estava sob gestão centralizada.

“Isso significa que toda a cadeia de produção — desde o primeiro corte na rocha até os detalhes finais da estátua — permaneceu dentro de zonas individuais, em vez de ter estátuas movendo-se entre áreas para diferentes fases de produção”, como seria o caso em uma pedreira industrial, explicou Lipo por e-mail.

Ele acrescentou que as diferentes zonas mostraram variabilidade nos métodos de extração e técnicas de acabamento. O padrão reforça as evidências de que Rapa Nui não era uma sociedade politicamente unificada, mas sim constituída por pequenos grupos familiares independentes.

Escala massiva das estátuas da Ilha de Páscoa

O modelo oferece uma nova perspectiva sobre o empreendimento monumental que ocorreu na pequena ilha, onde cerca de 1.000 estátuas de pedra foram erguidas entre os séculos 13 e 17. A estátua média tinha 4 metros de altura e pesava 12,5 toneladas, com algumas ultrapassando 20 toneladas, afirmou Lipo.

O modelo da pedreira revelou 426 moais em vários estágios de conclusão, 341 trincheiras escavadas para delinear blocos para esculpir, e 133 vazios na rocha onde as estátuas foram removidas com sucesso, além de cinco pontos de ancoragem usados para baixar os moais pelas encostas. Os artesãos extraíam e esculpiam a maioria das estátuas em posição supina, principalmente de cima para baixo, embora outras fossem extraídas lateralmente. O método mais comum envolvia definir os detalhes faciais antes de delinear a cabeça e o corpo na rocha.

Entre as estátuas inacabadas está a que teria sido o maior moai se tivesse sido finalizado e erguido, disse Lipo. Conhecida como Te Tokanga, tem cerca de 21 metros de altura e pesaria aproximadamente 270 toneladas se concluída, segundo ele.

“Algumas estátuas excederam os limites práticos de transporte”, disse Lipo. “Isso aconteceria se, como suspeitamos, a escalada competitiva levasse as comunidades a tentar moais cada vez maiores. Essas tentativas superdimensionadas representam comunidades testando limites e reconhecendo restrições.”

As numerosas estátuas que permanecem em Rano Raraku representam operações normais da pedreira, não um abandono, acrescentou Lipo. Um estudo de 2019 sugeriu que a produção das estátuas continuou até a chegada dos europeus, ele observou.

“A pedreira não falhou catastroficamente, mas provavelmente foi desativada pela perturbação introduzida pelos europeus, que veio com a introdução de doenças”, disse ele.

Esta foi a primeira vez que técnicas de fotogrametria foram utilizadas no local, mas os resultados não mostraram nada dramaticamente novo sobre a sociedade Rapa Nui, segundo Helene Martinsson-Wallin, professora do departamento de arqueologia da Universidade de Uppsala, na Suécia.

Martinsson-Wallin, que não participou da pesquisa, afirmou que estudiosos como a arqueóloga e antropóloga inglesa Katherine Routledge já haviam identificado um sistema baseado em clãs há 100 anos.

“Posteriormente, foi definida como uma sociedade aberta, significando que não havia um chefe supremo governando a sociedade, e diversos estudos demonstraram que este tipo de estrutura social também pode apresentar construções megalíticas”, disse Martinsson-Wallin por e-mail.

O estudo adotou uma “abordagem inovadora”, afirmou Christopher Stevenson, arqueólogo e professor da Escola de Estudos Mundiais da Universidade Commonwealth da Virgínia, que também não participou da pesquisa. Ele acrescentou que a hipótese da equipe de que as atividades na pedreira representam uma produção descentralizada de moais por diferentes grupos familiares é “importante e precisa ser avaliada”.

No entanto, Stevenson disse que a avaliação dos pesquisadores não foi respaldada por dados suficientes. Por exemplo, ele mencionou a existência de um estilo de casa próximo à pedreira, não citado no estudo, que era diferente das habitações residenciais menos elaboradas e, portanto, poderia refletir algum tipo de divisão ou distinção social.

Intenso debate sobre a sociedade de Rapa Nui

Colonizada por um pequeno grupo de navegadores polinésios há cerca de 900 anos, a Ilha de Páscoa, hoje parte do Chile, tem sido fonte de fascínio e intenso debate sobre como sociedades complexas podem, às vezes, entrar em colapso de forma desastrosa.

Alguns autores, como o geógrafo Jared Diamond em seu livro de 2005, “Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso”, usaram a Ilha de Páscoa como um exemplo de advertência sobre como a exploração de recursos limitados pode resultar em um declínio populacional catastrófico, devastação ecológica e destruição de uma cultura através de conflitos internos.

Essa teoria permanece controversa. Pesquisas mais recentes sugeriram o oposto: que Rapa Nui era, na verdade, lar de uma sociedade pequena, mas sustentável.

As últimas descobertas contribuem para essa reinterpretação, complementando a imagem de uma comunidade resiliente que se adaptou a um dos ambientes mais isolados da Terra, disse Lipo.

“A história tradicional, popularizada por Diamond e outros, pressupõe que chefes poderosos conduziram uma construção insustentável de monumentos, causando desmatamento, fracasso agrícola e um colapso populacional”, disse Lipo.

“Mas se a produção de monumentos era descentralizada, com comunidades autônomas tomando decisões independentes, não haveria uma autoridade central para levar a ilha a um colapso ecológico.”



Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/pedreira-da-ilha-de-pascoa-da-pistas-de-estatuas-enigmaticas-dos-polinesios/

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