Análise: Venezuela é principal foco de Trump na América Latina


A Venezuela esteve no centro do primeiro mandato de Donald Trump nos Estados Unidos. Durante quatro anos, a Casa Branca impôs sanções contra Caracas, apoiou oponentes do ditador venezuelano, Nicolás Maduro, e adotou uma política de “pressão máxima”. E agora, a Venezuela está, mais uma vez, no centro do segundo mandato de Trump.

A relação com a Venezuela é o foco mais significativo do governo Trump na região, mas também apresenta nuances. A Casa Branca e Miraflores, sede da presidência venezuelana, insistem em manter as linhas de comunicação abertas, mesmo em meio à recente mobilização naval dos EUA no Caribe.

Mesmo antes de assumir o cargo em janeiro, Trump já estava de olho em Maduro, a quem chamou de “ditador” durante a campanha eleitoral.

Mas a rivalidade não se limitou aos círculos chavistas; atingiu também uma grande parcela dos mais de 900 mil venezuelanos que vivem nos Estados Unidos, segundo dados do censo.

Trump expressou seu descontentamento com os imigrantes venezuelanos diversas vezes e repetiu teorias falsas sobre a suposta transferência de prisioneiros da Venezuela para o território dos Estados Unidos.

“Eles são traficantes de drogas, criminosos, assassinos e estupradores. Todos foram transferidos para os Estados Unidos”, disse o presidente americano em uma entrevista em agosto de 2024, sem apresentar provas.

Quando Trump venceu as eleições de novembro, Maduro disse que buscaria “um novo começo” nas relações entre Washington e Caracas, para deixar as tensões para trás.

Mas nada disso aconteceu. E, a julgar pela experiência passada entre 2017 e 2021, é improvável que algo mude.

Enquanto isso, Maduro elogiou Trump na segunda-feira (1°), chamando-o de “audacioso” e dirigiu suas críticas ao Secretário de Estado Marco Rubio por querer “manchar as mãos do presidente com sangue”.

Fim da proteção para imigrantes venezuelanos

Apesar de Trump ter descrito a Venezuela de Maduro como uma ditadura que sufoca os dissidentes, seu governo revogou a extensão do Status de Proteção Temporária (TPS) para milhares de venezuelanos que buscaram refúgio nos Estados Unidos justamente por causa dessa perseguição.

A medida afeta mais de 350 mil venezuelanos que já estavam nos Estados Unidos e que esperavam estar protegidos contra deportação até pelo menos o outono de 2026.

Em fevereiro, a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, decidiu não conceder a extensão do TPS aos venezuelanos que receberam o status em 2023, o que significa que milhares de outros perderiam esse benefício dois meses depois, em abril.

Imigrantes venezuelanos na fronteira dos EUA • Reuters
Imigrantes venezuelanos na fronteira dos EUA • Reuters

De acordo com o Departamento de Segurança Interna, mais de 600 mil venezuelanos têm ou tiveram proteções do TPS, quase dois terços do total de imigrantes venezuelanos nos Estados Unidos.

As ações do governo foram contestadas judicialmente, e a Suprema Corte permitiu que Trump prosseguisse com o fim do TPS, embora o processo tenha várias etapas.

No final de agosto, um tribunal federal de apelações bloqueou os planos do governo Trump de revogar uma extensão das proteções legais para viver e trabalhar nos Estados Unidos.

De qualquer forma, o governo Trump reafirmou suas intenções, e o Departamento de Segurança Interna anunciou na quarta-feira (4) que encerrará o TPS para os venezuelanos inscritos no programa de 2021, o que afetaria aproximadamente 250 mil imigrantes.

As autoridades disseram que incentivarão os venezuelanos afetados a se “autodeportarem”, uma possibilidade que muitos imigrantes descartam por medo de retornar ao país de origem.

Além disso, em meio à disputa jurídica sobre a validade do TPS, advogados de imigração declararam que alguns de seus clientes já foram demitidos, detidos em centros de imigração, separados de seus filhos que são cidadãos americanos por terem nascido nos EUA e até mesmo deportados.

Ao mesmo tempo, o governo Trump tenta encerrar o programa de “liberdade condicional humanitária”, que beneficia imigrantes da Venezuela que se submeteram à revisão das autoridades em vez de tentar entrar ilegalmente no país, bem como de Cuba, Haiti e Nicarágua.

O caso também foi levado a julgamento e, em maio, a Suprema Corte autorizou o governo a encerrar o programa de permanência temporária. Em junho, o Tribunal notificou os beneficiários de que sua permissão para viver e trabalhar nos Estados Unidos havia sido revogada e que eles deveriam deixar o país, embora um juiz tenha suspendido em agosto a tentativa de realizar deportações aceleradas dos afetados.

Todas essas ações do governo Trump contrastam com uma das últimas medidas tomadas no primeiro mandato, quando o republicano bloqueou a deportação de venezuelanos nos Estados Unidos por 18 meses.

Penalidades e apreensões

O governo dos Estados Unidos continuou a pressionar as finanças de Caracas. Washington, que já havia imposto uma série de sanções setoriais à Venezuela, anunciou em março que iria impor tarifas de 25% a qualquer país que comprasse petróleo do governo Maduro.

A medida foi apresentada pela Casa Branca em parte como uma forma de punição pela relutância do governo chavista em aceitar imigrantes deportados.

O governo Trump também usou a licença que permite à petrolífera americana Chevron operar no país sul-americano como estratégia. Em março, a Casa Branca cancelou a licença e concedeu 30 dias para o fim das operações, e semanas depois anunciou uma extensão.

Em julho, em meio a uma troca de prisioneiros entre os dois países, Maduro confirmou que a empresa havia recebido uma licença para continuar operando.

As vendas de petróleo para a Chevron começaram em 2022, durante a presidência de Joe Biden, e desde então se tornaram a salvação financeira — especialmente através acesso ao dólar — para a Venezuela, um país produtor de petróleo cuja produção tem diminuído nas últimas décadas.

Trump chamou Biden de “corrupto” por entrar neste acordo e ameaçou rescindi-lo, mas, por enquanto, ele permanece em vigor, não importa quantos navios de guerra americanos se aproximem do Caribe.

Em julho, o Departamento do Tesouro classificou o Cartel de los Soles, um suposto grupo criminoso que, segundo Washington, corrompeu os mais altos escalões políticos, militares e judiciais da Venezuela por mais de duas décadas para enviar drogas aos Estados Unidos, como uma organização terrorista.

Líderes chavistas chamaram o Cartel de los Soles de “uma invenção” das autoridades americanas.

Trump divulga vídeo de ataque a barco da Venezuela que estaria transportando drogas • Donald Trump via Truth Social
Trump divulga vídeo de ataque a barco da Venezuela que estaria transportando drogas • Donald Trump via Truth Social

O governo Trump anunciou em agosto que dobraria a recompensa para US$ 50 milhões por informações que levassem à prisão de Maduro, a quem acusou de ser “um dos maiores traficantes de drogas do mundo e uma ameaça à segurança nacional”.

O ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, considerou a oferta patética e ridícula.

A primeira recompensa pela captura de Maduro foi definida durante o primeiro mandato de Trump, em um valor de US$ 15 milhões. Biden elevou a quantia para US$ 25 milhões.

Dias após aumentar a recompensa para o nível atual, a procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, afirmou que Washington havia apreendido mais de US$ 700 milhões em bens de Maduro, sem especificar a data das apreensões.

“Isso é crime organizado, não é diferente da máfia”, disse Bondi em entrevista à Fox News. Maduro minimizou o anúncio, e seu governo negou a acusação de tráfico de drogas. Em um comunicado, eles alegaram que os EUA estavam recorrendo a “ameaças e difamação”.

Mobilização militar no Caribe

Em meados de agosto, os EUA confirmaram planos de mobilizar mais de 4.000 fuzileiros navais e marinheiros para as águas que cercam a América Latina e o Caribe como parte de uma iniciativa para combater cartéis de drogas. A demonstração de força oferece a Trump opções militares caso ele deseje agir contra os grupos que designou como terroristas, como o Tren de Arágua ou o Cartel de los Soles.

A primeira dessas opções surgiu na terça-feira (2), quando o Secretário de Estado Marco Rubio afirmou que os EUA realizaram um “ataque letal” contra uma embarcação que supostamente transportava drogas no sul do Caribe, em uma operação que deixou 11 mortos.

O governo venezuelano questionou as manobras, chamando-as de “invenções” e mentiras.

Rubio defendeu a ordem do presidente Trump e alertou que essa estratégia “se repetirá”, descartando a alternativa de interceptar embarcações suspeitas.

O deslocamento naval, o maior realizado pelos Estados Unidos na região desde a invasão do Panamá em 1989, e a operação de terça-feira (2) alimentaram as especulações de uma possível intervenção militar na Venezuela.

Mas, embora a proporção agora seja maior, Trump já havia jogado essa carta durante sua primeira presidência: em 2019, ele disse que não descartava o uso da força militar na Venezuela em meio à crise política do país entre Maduro e Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente interino da Venezuela e é reconhecido por Washington.



Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/analise-venezuela-e-principal-foco-de-trump-na-america-latina/

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