Os olhos marejados não escondem a dor das lembranças daquela noite de 19 de novembro de 2020, quando Milena Borges Alves chegou ao estacionamento do supermercado Carrefour, no bairro Passo D’Areia, na zona Norte de Porto Alegre, e viu o marido João Alberto Freitas ensanguentado e sendo segurado por seguranças no chão.
“Eu fiquei sem ação. Como é que ele ia fazer alguma coisa se ele estava contido? Um deles tava com o joelho na nuca dele e o outro no pulmão. Aí foi questão de segundos quando ele falou: me ajuda Milena. Ele já tava morrendo”, lembrou.
A morte de João Alberto Freitas, após uma sessão de espancamento, completou cinco anos nessa quarta-feira (19), sem previsão de uma data para a realização do tribunal do júri dos seis réus pelo crime.
Com a repercussão do caso na imprensa e boatos que passaram a ser espalhados na internet sobre o marido morto, Milena conta que o cotidiano, até então feliz com Beto, como era conhecido, se transformou em uma rotina de remédios e isolamento:
“Olha, na época até inventaram que ele roubou, que ele tava me espancando dentro do mercado. As câmeras mostram que não aconteceu nada. Foram histórias que foram sendo inventadas para manchar a imagem dele”, conta.
“Eu não sabia que isso tinha sido mundialmente falado, tá? Sabe por tanto que eu não via TV, não escutava rádio, não via nada assim. Então eu me isolei. E aquilo era muito forte. Portanto, que até hoje eu não consigo ver aquela cena”, completa.
Em julho de 2024, o TJRS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) rejeitou o crime de racismo como qualificadora de motivo torpe para o crime, contrariando os entendimentos da PCRS (Polícia Civil do Rio Grande do Sul) e do MPRS (Ministério Público do Rio Grande do Sul). O MP recorreu da decisão. Para Milena, Beto não teria sido morto se fosse branco:
“Eu fiquei surpresa. Eu creio que foi racismo, que se fosse um branco, não tinha acontecido isso”.
Milena espera que situações como a que aconteceu com Beto não se repitam:
“Tem vários episódios que acontecem com os negros (espero) que não aconteçam mais. Porque a gente é tudo ser humano, tudo igual, independente da cor, somos iguais”.
O que diz o Grupo Carrefour
Por meio de nota, o Grupo Carrefour destaca que desde a morte de João Alberto Freitas, “a empresa assumiu a responsabilidade de promover mudanças estruturais contínuas para que episódios como este não se repitam”.
A empresa cita uma mudança no modelo de segurança; a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público e entidades da sociedade civil; política de tolerância zero incluindo uma cláusula contratual que pune condutas racistas de funcionários e fornecedores; e capacitação.
