Faltam menos de 14 dias até 1º de agosto, data estabelecida por Donald Trump para colocar em vigor novas tarifas mais elevadas contra os parceiros comerciais dos Estados Unidos.
As últimas semanas vêm sendo marcadas pelo trabalho intenso do corpo diplomático das nações em busca de acordos com os EUA para reduzir as alíquotas. No caso do Brasil, o governo enfrenta a ameaça de que os importados tupiniquins sejam taxados em 50% de seu valor ao entrarem em território norte-americano.
As discussões da parte brasileira vêm sendo coordenadas pela equipe do vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), que busca manter interlocução com o setor privado nacional e norte-americano para entender quais seriam os melhores caminhos e reivindicações a se buscar com a gestão Trump.
Contudo, a busca por um acordo tem enfrentado dois entraves principais: a dificuldade em encontrar um interlocutor oficial na Casa Branca e a tensão política entre o republicano e o petista Luiz Inácio Lula da Silva.
“A escalada da crise pode inviabilizar a negociação, a menos que o governo brasileiro faça algum gesto positivo de contato de alto nível com o governo norte-americano antes de 1º de agosto. O governo teria, nesse caso, de apresentar uma proposta concreta de eliminação de barreiras não tarifárias sobre produtos americanos”, afirma à CNN Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior, que foi embaixador do Brasil em Washington.
“A contaminação das negociações comerciais por ações voltadas para a política interna não ajuda a defesa dos interesses do setor privado exportador.”
O adiamento do prazo é defendido por especialistas e pelo setor produtivo, que consideram o curto período insuficiente tanto para se trabalhar as discussões como adaptar operações a uma alíquota que onera produtos na metade de seu valor.
Contudo, Trump reiteradamente afirma que não irá mais adiar a aplicação das tarifas mais elevadas (anteriormente previstas para vigorarem em 9 de julho). Desse modo, as fontes de diversas frentes ouvidas pela reportagem defendem que o governo avance o máximo possível nas próximas semanas.
Quais os caminhos ideais para o Brasil seguir até 1º de agosto?
“O Brasil deve priorizar uma abordagem diplomática ativa até o prazo final, buscando negociar redução ou isenção das tarifas por meio de diálogo técnico e articulado, amparado por evidências setoriais e dados comerciais”, pondera Carlos Ottoni, sócio-líder da área de Comércio Exterior e Regimes Aduaneiros Especiais da KPMG.
A avaliação de Ottoni é que essa seria a melhor estratégia para se preservar o equilíbrio da balança comercial, evitando impactos adversos sobre os setores exportadores — como aviação, agronegócio e papel. “Um esforço coordenado fortalecerá a posição do Brasil e resguardará o mercado de trabalho”, pontua o sócio da KPMG.
Dependente dessa relação bilateral, o setor de insumos médicos vê um desafio grande dos dois lados da balança, por exemplo. Em 2024, o Brasil exportou cerca de US$ 300 milhões para os Estados Unidos em dispositivos hospitalares, enquanto importamos aproximadamente US$ 1,6 bilhão em produtos norte-americanos.
“Caso o Brasil adote uma medida de reciprocidade, esse volume de importações pode ser fortemente impactado, com acréscimos nos custos que podem chegar a 25% ou 30%. Isso exigirá uma avaliação do mercado brasileiro: ainda valerá a pena comprar produtos americanos com esse custo adicional ou será necessário buscar alternativas na China, Índia ou Turquia? A substituição, no entanto, não será imediata, pois envolve processos regulatórios junto à Anvisa, o que pode levar tempo”, relata à CNN Paulo Henrique Fraccaro, CEO da Abimo (Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos).
“Do lado das exportações brasileiras, o desafio também é grande. As empresas terão que buscar novos mercados, igualmente exigentes em termos regulatórios. Ou seja, estamos diante de um momento complexo tanto para quem vende quanto para quem compra.”
A avaliação geral é de que o caminho mais sensato a se trilhar no momento é o de um diálogo diplomático cauteloso, evitando uma retórica retaliatória que possa desencadear na escalada da tensão comercial.
“A preocupação é de que o governo Lula adote uma postura mais belicosa que leve à espiral de uma guerra mais ampla. Acredito que o Palácio do Planalto tem esse temor também. A gente acredita que não virá medida retaliatória brasileira quando 1º de agosto chegar, talvez busque-se esperar para mais negociação”, avalia Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas do grupo Eurasia.
Pontos de atenção
A questão política foi trazida à discussão tarifária pelo presidente Trump, que expôs, ao anunciar a alíquota de 50% contra o Brasil, seu descontentamento com o Judiciário e Executivo brasileiros.
A carta endereçada a Lula abre com críticas ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no tocante da suposta trama golpista. Contudo, a pauta na qual o republicano parece mais se interessar é a regulamentação das big techs e redes sociais no país.
“A tarifa nunca foi uma questão econômica dentro da racionalidade de política comercial. Tem se confirmado cada vez numa questão política, desavença num campo político-ideológico, mas não apenas sobre o Bolsonaro, que parece uma cortina de fumaça, um pretexto de provocação ao governo brasileiro”, observa Carolina Pavese, professora de Relações Internacionais do Instituto Mauá.
A internacionalista destaca pontos trazidos na investigação comercial deflagrada pelos EUA contra o país como os de maior interesse da agenda trumpista: a questão do Pix, a taxação eventual e maior controle das big techs e uma preocupação com uma agenda geopolítica.
Nesse sentido, os apontamentos do USTR (Representante Comercial dos Estados Unidos) são pontos de atenção que o Brasil deve levar para a negociação, aponta Leonardo Roesler, advogado tributarista e conselheiro certificado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.
Ele elenca que, até 1º de agosto, o Brasil precisa encaminhar à autoridade norte-americana um “roteiro convincente” de consultas formais e oferecer contrapartidas que demonstrem “boa-fé”, como avanços na proteção de propriedade intelectual, melhorias na facilitação aduaneira e maior transparência regulatória.
“Paralelamente, o governo deve mobilizar importadores norte-americanos de café, aço, suco de laranja e aeronaves regionais para que estes apresentem ao Congresso [dos EUA] e ao USTR estimativas de prejuízos econômicos domésticos decorrentes do encarecimento dos bens brasileiros, estratégia já respaldada por entidades industriais dos dois países”, pontua Roesler.
A consequência dessa estratégia, segundo Christopher Garman, pode ser a isenção da tarifa a parte da pauta brasileira. A CNN apurou que as empresas norte-americanas avaliam, de fato, propor uma lista de “exceções” ao tarifaço.
Além de produtos que o consumidor norte-americano depende do produtor brasileiro, como café e suco de laranja, o diretor do grupo Eurasia acredita que é provável que o governo Trump não aplique a tarifa sobre itens estratégicos como petróleo e minerais críticos.
“No mais, não vemos um grande acordo sendo anunciado. Eu acho que não tem muito o que fazer, os canais diplomáticos estão muito ruins”, pontua Garman.
Expectativas para os próximos dias
“Acho muito difícil que nessas duas semanas consiga-se reverter essa animosidade e estabelecer um canal oficial direto no qual haja uma manifestação tanto do Trump quanto do Lula de uma reconciliação entre os dois presidentes”, afirma Carolina Pavese.
“O que a gente sabe é que, assim como em cenários de guerra, os esforços de bastidores não cessam.”
É nesse campo onde os especialistas ouvidos pela CNN veem as principais cartas das quais o governo dispõe. À frente da estratégia brasileira, Alckmin avalia que é fundamental, antes de o governo tomar qualquer decisão concreta, ouvir o setor privado, que tem canais de acesso direto à economia norte-americana.
Contudo, a eficácia do discurso da gestão Lula vai depender “de pronta articulação institucional que una contencioso multilateral, diplomacia empresarial e um programa graduado de reciprocidade capaz de tornar economicamente onerosa a manutenção da tarifa”, na avaliação de Leonardo Roesler.
Das soluções práticas que o governo pode optar, o advogado elenca:
- O mecanismo de consultas da OMC (Organização Mundial do Comércio): com fundamento nos artigos 22 e 23 do Entendimento de Solução de Controvérsias, o dispositivo assegura que a discussão ocorra em foro multilateral antes da entrada em vigor da tarifa;
- Ofertar concessões pontuais de acesso a mercado no âmbito do Acordo de Compras Governamentais: Roesler avalia que a alternativa traria ganho político para a Casa Branca sem sacrificar a política industrial brasileira. Projetos de infraestrutura financiados por organismos multilaterais também podem ser colocados à mesa nesse sentido;
- Contramedidas: “proporcionais, aplicadas de forma escalonada a produtos simbólicos norte-americanos como etanol, carvão metalúrgico e componentes aeronáuticos, condicionadas à persistência de impasse diplomático e com base no princípio de proporcionalidade consagrado pela Organização Mundial do Comércio”, explica o tributarista. Contudo, Roesler pondera que essas medidas devem vir acompanhadas de plano um de diversificação comercial e financeira que inclua expansão de acordos cambiais com parceiros do Brics e maior uso de moedas locais no pagamento de insumos industriais, reduzindo a dependência da denominação em dólar.