Do ponto de vista jurídico e prático, o terrorismo e a organização criminosa, embora compartilhem o uso da violência como traço comum, são considerados fenômenos criminais distintos por especialistas. A principal separação reside na finalidade e na natureza dos atos praticados.
Grupos terroristas buscam impor uma pauta política, ideológica, religiosa ou social através do medo generalizado, enquanto organizações criminosas têm um objetivo essencialmente econômico, voltado ao lucro com atividades ilícitas.
“Do ponto de vista jurídico e prático, terrorismo e organização criminosa são fenômenos distintos, ainda que tenham como traço comum o uso da violência”, afirma Enzo Fachini, advogado e mestre em Direito Penal.
Lucro ou imposição ideológica
A distinção fundamental entre os dois tipos de grupos reside em sua meta final.
No contexto do terrorismo, o objetivo principal é a imposição de uma ideologia, seja por razões religiosas, étnicas ou políticas, através do terror.
O lucro angariado por grupos terroristas serve, em regra, para financiar as atividades terroristas e os ataques, com o foco sendo o ato criminoso em si como a finalidade.
Já no crime organizado, o objetivo é o lucro através da atividade ilícita, como o tráfico de drogas, armas ou pessoas. O foco é o acúmulo de capital e a lavagem de capitais para inserção do dinheiro no mercado legal, seguindo uma lógica empresarial.
A obtenção de vantagem de qualquer natureza é o que caracteriza legalmente uma organização criminosa no Brasil, segundo a Lei 12.850 de 2013.
Motivações para o uso da violência
A violência é tratada de formas diferentes pelos dois tipos de grupos.
Para os grupos terroristas, a violência é primariamente um instrumento de comunicação da pauta, visando causar impacto e obter repercussão para sua causa. O terrorismo utiliza a violência como demonstração de poder e imposição de ideologia.
O Coronel José Vicente, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, ressalta que a organização terrorista “produz ataques para alarmar a população” e chamar a atenção para sua causa, sem pretensão de ganhos financeiros contínuos.
No crime organizado, a violência é um instrumento para assegurar a exploração do lucro ilícito e manter a estabilidade da economia paralela.
Embora máfias e facções também usem a violência como demonstração de poder, ela está geralmente ligada à eliminação de adversários, como facções rivais ou agentes públicos que atrapalham seus planos.
Vítimas preferenciais e natureza dos atos
A escolha dos alvos também revela diferenças cruciais na atuação. O terrorismo visa alvos simbólicos ou civis inocentes, buscando o medo coletivo.
O grupo terrorista costuma mirar população civil ou pessoas de determinada característica étnica, social, religiosa ou política.
No crime organizado, a violência, embora atinja a população em geral, é em regra direcionada a pessoas que são vítimas diretas, facções rivais ou agentes públicos. A população civil, neste caso, é mais frequentemente vítima colateral.
O professor de ciência política Coronel Fernandes observa que ações passadas de facções, como os ataques do PCC em 2006, visavam atingir o Estado com fundamento político, utilizando táticas terroristas.
No entanto, a legislação brasileira exige que o ato terrorista seja cometido por “razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião” para sua classificação legal, segundo a Lei 13.260/2016.
Quanto à natureza dos atos, especialistas são unânimes na distinção dos grupos, que se compõe da seguinte maneira:
– Terrorismo: Os atos são episódicos e de grande visibilidade e impacto, voltados ao terror social ou generalizado. A mobilização das estruturas de controle é apenas temporária.
– Crime organizado: Os atos são repetitivos e estruturados, focados na manutenção de um sistema econômico ilícito. A mobilização das estruturas de controle é permanente e há interesse em dominar e permanecer em territórios.
Estrutura e doutrina
Ambos os grupos dependem de uma estrutura, mas a doutrina operacional e o foco interno divergem.
De modo geral, tanto terrorismo quanto máfias e facções exigem uma estrutura organizada, com hierarquia e disciplina interna, muitas vezes piramidal. A legislação brasileira define organização criminosa como a “associação de 4 ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas”.
Em termos de doutrina, os grupos terroristas têm o foco no ato ideológico, e em geral, sequer usufruem de bens luxuosos. Por vezes, demonstram maior leniência com crimes contra crianças ou crimes sexuais praticados contra a população civil.
Em contraste, as facções criminosas brasileiras, como PCC e CV, não são classificadas como terroristas pela lei, pois sua atuação não envolve crime de ódio ou religioso, mas sim a obtenção de lucro por meio do tráfico de armas e de drogas.
Elas buscam a lavagem de capitais para a compra de itens de luxo e bens em geral, e buscam influência extensa em presídios e crimes urbanos, além de crescentes conexões com máfias internacionais.
Filipe Papaiordanou, advogado criminalista e professor, resume a complexidade afirmando que “todo grupo terrorista é em sí uma organização criminosa, mas nem toda organização criminosa tem base ou atuação tida como terrorista”.
A distinção legal é crucial. Embora especialistas reconheçam que facções criminosas “praticam atos de terror”, alterar a classificação legalmente poderia gerar impactos negativos ao Brasil, incluindo sanções internacionais, problemas no sistema bancário e até mesmo a possibilidade de intervenções militares estrangeiras, conforme alerta Rafael Alcadipani, especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
