O veterano líder da oposição queniana, Raila Odinga, que foi preso enquanto lutava contra a autocracia de partido único e concorreu cinco vezes à presidência sem sucesso, morreu aos 80 anos, informaram fontes próximas a ele nesta quarta-feira (15).
Uma fonte familiar disse à agência de notícias Reuters que ele morreu na Índia recebendo tratamento médico, enquanto o hospital onde faleceu, na cidade de Kochi, informou que ele sofreu uma parada cardíaca.
Odinga esteve por décadas no centro da política queniana, firmando alianças com antigos inimigos, servindo como primeiro-ministro por um mandato e inspirando lealdade vitalícia de sua base, particularmente entre os conterrâneos luos no oeste e na capital, Nairóbi.
A capacidade de Odinga de trabalhar com rivais lhe rendeu o apelido de “Agwambo” (“o misterioso”) na língua luo.
Nesta quarta-feira, o presidente do Quênia, William Ruto, visitou a casa da família Odinga, no rico subúrbio de Karen, em Nairóbi.
Os apoiadores de Odinga o chamavam simplesmente de “Baba” (“pai” em suaíli), recusando-se a deixá-lo mesmo quando ele era acusado de explorar divisões étnicas para obter ganhos políticos ou de fechar acordos com oponentes para chegar ao poder.
Quando a notícia de sua morte chegou às ruas, centenas de apoiadores da favela de Kibera, em Nairóbi, muitos chorando e acenando com galhos para afastar maus presságios, seguiram em procissão até a casa de Odinga.
Seu legado como ativista pela democracia ao longo dos anos ajudou a concretizar duas das reformas mais importantes do país: a democracia multipartidária em 1991 e uma nova constituição em 2010.
Odinga liderou protestos após a disputada eleição de 2007, que mergulhou o Quênia em sua mais grave onda de violência política desde a independência. Cerca de 1.300 pessoas foram mortas e centenas de milhares foram deslocadas de suas casas nos conflitos.
A tribo Luo ocidental atacou o grupo étnico Kikuyu, do então presidente Mwai Kibaki, a maior e economicamente dominante tribo do Quênia, em grande parte dos combates.
A violência também se seguiu à votação de 2017.
Naquele ano, Odinga disse à agência de notícias Reuters: “Cada comunidade acredita que não está segura a menos que seu homem esteja no comando”.
Confinamento solitário
Odinga era filho de Odinga Odinga, o primeiro vice-presidente do Quênia sob o líder da independência Jomo Kenyatta. A rivalidade entre o velho Kenyatta e Odinga continuou com seus filhos.
Apesar dos amplos interesses comerciais de sua família, Odinga passou seus primeiros anos como um agitador de esquerda, batizando seu filho de Fidel em homenagem ao líder comunista cubano Fidel Castro.
Odinga foi preso pela primeira vez em 1982, após uma tentativa de golpe contra o então presidente Daniel Arap Moi, cujo governo prendeu, torturou e assassinou opositores. Ele cumpriu um total de nove anos de prisão, seis em confinamento solitário.

“A detenção é uma boa escola. Você aprende a refletir e a pensar”, declarou Odinga à agência de notícias Reuters em 2007. “Você também aprende a tolerância, a perdoar, principalmente com seus adversários.”
O ex-premiê conquistou sua primeira cadeira parlamentar em 1992, que incluía Kibera. Ele ocupou o distrito eleitoral até 2013, com seu carro laranja brilhante sendo atacado sempre que saltava para as ruas lamacentas.
Ele perdeu sua primeira candidatura presidencial em 1997 para Moi. Quatro anos depois, Odinga formou um governo de coalizão com ele, uma atitude que alguns consideraram oportunista, mas que ele considerou pragmática.
“A democratização não é como um café instantâneo que você prepara e bebe ao mesmo tempo. É um processo”, disse Odinga na época.
O padrão continuou, enquanto rompia e construía com rivais nas duas décadas seguintes.
Ele se tornou primeiro-ministro em 2008 em um governo de unidade nacional liderado por seu ex-inimigo Kibaki, como parte de um acordo para acabar com o derramamento de sangue.
Após a eleição de 2017, ele se reconciliou com seu oponente, o presidente Uhuru Kenyatta, no que é apelidado de “Aperto de Mão”.
Ele então perdeu a eleição de 2022 para Ruto e contestou o resultado, que foi confirmado pela Suprema Corte.
Protestos no Quênia
Imbatível, Odinga, então com quase 70 anos, lançou protestos de rua contra o governo, apenas para firmar um pacto com Ruto em 2024, deixando o Quênia sem uma oposição oficial.
Alguns observadores consideraram a atitude cínica, mas, para muitos, fazia parte de um manual familiar que ele usou até o fim.
O chefe da comissão da União Africana, Mahmoud Ali Youssouf, que derrotou Odinga na disputa pela liderança da UA este ano, o saudou como “um firme defensor da democracia”.
O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, disse que ele era um “estadista imponente”. Condolências também vieram do primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, e da presidente da Tanzânia, Samia Suluhu Hassan, que descreveu sua morte como uma tragédia “não apenas para o Quênia, mas para todos nós”.
