Entidades brasileiras dos setores afetados pelo tarifaço criticaram a manutenção da sobretaxa adicional de 40% imposta no fim de julho pelo governo Donald Trump a produtos nacionais.
Na sexta-feira (14), o governo norte-americano anunciou a retirada da tarifa de 10% para 238 produtos, o que leva apenas pequeno alívio para a maioria dos setores.
A medida do governo Trump beneficia diretamente 80 itens que o Brasil vende aos Estados Unidos, mas a sobretaxa de 40% continua a afetar a maior parte dos produtos brasileiros.
Na avaliação das entidades nacionais, o Brasil precisará intensificar o diálogo diplomático para buscar a eliminação completa das tarifas extras e restaurar condições de competitividade no mercado norte-americano.
As entidades industriais brasileiras avaliaram a medida como um gesto positivo, mas insuficiente.
Segundo análise da Confederação Nacional da Indústria (CNI), os 80 itens beneficiados pela suspensão da tarifa de 10% representaram US$ 4,6 bilhões em exportações em 2024, cerca de 11% do total enviado pelo Brasil aos EUA.
A CNI afirma também que a manutenção da sobretaxa de 40% mantém o Brasil em desvantagem frente a concorrentes que não enfrentam as mesmas barreiras. A entidade reforça a urgência no avanço das negociações.
“É muito importante negociar o quanto antes um acordo para que o produto brasileiro volte a competir em condições melhores”, declarou em nota o presidente da entidade, Ricardo Alban.
“Países que não enfrentam essa sobretaxa terão mais vantagens que o Brasil para vender aos americanos. É muito importante negociar o quanto antes um acordo para que o produto brasileiro volte a competir em condições melhores no principal destino das exportações industriais brasileiras”, complementou Alban.
A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) também considera o corte um avanço limitado. “É um passo importante, mas ainda insuficiente”, afirmou em comunicado o presidente Flávio Roscoe. A federação reforça que produtos importantes da pauta de exportação do estado, como carnes e café, continuam afetados.
Vendas de carne bovina vêm caindo
Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) teve a reação mais favorável, destacando o retorno de previsibilidade ao comércio bilateral.
Em nota, a associação afirmou que a redução “reforça a confiança no diálogo técnico entre os dois países.” “A medida reforça a confiança no diálogo técnico entre os dois países e reconhece a importância da carne do Brasil, marcada pela qualidade, pela regularidade e pela contribuição para a segurança alimentar mundial”, informou a entidade.
“A redução tarifária devolve previsibilidade ao setor e cria condições mais adequadas para o bom funcionamento do comércio”, completou o comunicado da Abiec.
Segundo a entidade, a tarifação sobre carne bovina brasileira caiu de 76,4% para 66,4%, com a retirada da tarifa global de 10%. Antes do governo de Donald Trump, os Estados Unidos taxavam o produto em 26,4%.
Apesar das tarifas adicionais impostas pelo governo dos Estados Unidos aos produtos brasileiros, as exportações totais de carne bovina em outubro obtiveram uma receita de US$ 1,897 bilhão, alta de 37,4% em relação ao mesmo período de 2024.
Foram movimentadas 360,28 mil toneladas, 12,8% a mais do que um ano atrás. A queda nas exportações para os EUA, com perda estimada US$ 700 milhões de agosto a outubro, foi compensada pelo aumento de vendas para outros países.
As informações são da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), que compilou os dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), incluindo na informação carnes in natura e industrializada, miudezas comestíveis e sebo bovino, entre outros subprodutos da cadeia de produção da carne bovina.
Segundo a Abrafrigo, no acumulado dos primeiros dez meses do ano as exportações totais já proporcionaram uma receita recorde de US$ 14,655 bilhões, com alta de 36% sobre o mesmo período de 2024. A movimentação, também recorde, foi de 3.148 mil toneladas, um aumento de 18% na mesma base de comparação.
Já considerando o período de janeiro a outubro de 2025, as exportações totais de carnes e outros derivados bovinos para os Estados Unidos cresceram 40,4% sobre o mesmo período do ano anterior, alcançando US$ 1,796 bilhão, resultado que reflete o forte ritmo das exportações anterior ao tarifaço.
Considerando os meses de agosto a outubro de 2025, período de vigência das tarifas adicionais, as vendas totais de carne e subprodutos bovinos para os Estados Unidos recuaram 36,4%, resultando em perdas estimadas em aproximadamente US$ 700 milhões.
“Embora essas perdas tenham sido compensadas com folga pelo aumento das vendas para outros mercados, o fato é que as exportações de carne bovina do Brasil poderiam ser ainda maiores caso as tarifas punitivas do governo dos Estados Unidos aos produtos brasileiros não tivessem sido aplicadas”, afirma a associação.
As exportações para a China, no acumulado do ano de 2025 até outubro, somaram US$ 7,060 bilhões de receita e 1.323 mil toneladas exportadas, com altas de 45,8% e 21,4%, respectivamente.
A União Europeia, considerando como um mercado único, foi o segundo maior destino das exportações brasileiras de carne bovina no mês de outubro de 2025, crescendo 112% em relação ao mesmo mês do ano anterior, para US$ 140 milhões. De janeiro a outubro, as vendas para o bloco europeu cresceram 70,2% sobre o mesmo período do ano anterior, somando US$ 815,9 milhões, com preços médios que alcançaram US$ 8.362 por tonelada de carne bovina in natura.
Café e a concorrência com outros países
Para o setor cafeeiro brasileiro, a concorrência com outros grandes exportadores de café representa o principal obstáculo. A tarifa estadunidense para os grãos brasileiros caiu de 50% para 40%, mas as tarifas foram zeradas para o produto colombiano e praticamente zeradas para o café vietnamita.
A Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) afirmou lamentar o fato de a nova ordem executiva assinada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não conter a exclusão integral das tarifas de 50% impostas sobre os cafés do Brasil, principalmente os cafés especiais.
A nova orientação da Casa Branca retira a taxa recíproca de 10% sobre a importação dos cafés do Brasil, mas mantém os 40% adicionais, que estão em vigência desde agosto deste ano.
“Tal situação, de manutenção de elevada posição tarifária imposta ao Brasil, amplia as distorções no comércio e tende a intensificar, no curto prazo, a queda nas exportações de cafés especiais aos Estados Unidos”, afirma a associação.
A BSCA lembra que de agosto a outubro (os três meses de vigência do tarifaço), os embarques de cafés especiais do Brasil aos EUA, o principal mercado importador desse produto nacional, caíram cerca de 55%, saindo de 412 mil sacas de 60 kg no mesmo período de 2024 para as atuais 190 mil sacas.
“Diante disso, a BSCA anseia pela aceleração das negociações entre Brasil e EUA, de modo a corrigir as distorções no comércio cafeeiro entre os países, o qual desejamos que tenha seu fluxo normal restabelecido o mais rápido possível, já nas próximas semanas, dada a urgência que o tema demanda”, diz a instituição em nota.
“O café também reduziu 10% [pontos percentuais], mas tem concorrente que reduziu 20% [pontos percentuais]. Então esse é o empenho que tem que ser feito agora para melhorar a competitividade”, disse no início da tarde o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin.
O governo brasileiro tem buscado reverter a sobretaxa de 40% por meio de negociações diplomáticas bilaterais. Na quinta-feira (13), o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, reuniu-se em Washington com o secretário de Estado americano, Marco Rubio, para tratar do tema.
Vieira afirmou que “Marco Rubio e os EUA demonstraram interesse em boa relação com o Brasil”, e que aguarda uma resposta oficial a uma proposta brasileira que prevê uma pausa temporária nas tarifas enquanto se inicia uma discussão setorial.
No entendimento da CNI, a dificuldade de acesso competitivo ao mercado americano cresce na medida em que concorrentes passam a operar sob tarifas reduzidas ou zeradas. O Brasil é o principal fornecedor de café arábica aos Estados Unidos, por exemplo, mas vê seu produto enfrentar restrições maiores que as aplicadas a concorrentes como Vietnã e Colômbia.
A decisão de Donald Trump de recuar na aplicação de tarifas sobre produtos como café, carne bovina e frutas está mais relacionada a pressões domésticas do que a negociações com países produtores, segundo análise de Vinícius Rodrigues Vieira, professor de Economia da FAAP e Relações Internacionais da FGV, durante o WW.
“Ele sempre vai ceder apenas naquilo que lhe for mais conveniente e sempre com um discurso de vitória, para que não reconheça que cometeu um erro crucial ao aumentar o preço dos produtos”, explica Vieira.
*Com informações do Estadão Conteúdo e da Agência Brasil
